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terça-feira, 22 de setembro de 2020

Os Filhos dos Crentes na Teologia da Aliança

 


INTRODUÇÃO

    A discussão da posição das crianças, filhos de crentes, no Pacto que Deus estabeleceu com o seu povo não é de hoje. Vários autores renomados têm tratado do assunto, quer em livros, pregações e entrevistas. Acreditando na importância do assunto para uma teologia sadia, apresentamos aqui, o que as Escrituras dizem sobre o assunto,  nos valendo, é claro, das contribuições de alguns estudiosos do assunto em causa.

        1. A IGREJA CRISTÃ E SUA RELAÇÃO COM A ANTIGA INSTITUIÇÃO

Acreditamos que o nosso entendimento da posição que a criança desempenha no Pacto dependerá da compreensão que temos da igreja da nova dispensação. Isto é, se é uma instituição totalmente nova e independente ou se tem relação com a antiga instituição.

Diferente dos Dispensacionalistas, sustentamos uma teologia aliancista, a qual crê não na existência de dois povos de Deus, mas de um só. Cremos que a Igreja cristã é a continuação da igreja do Antigo Testamento. Embora os símbolos e rituais tenham mudado, a igreja é a mesma, o povo o mesmo. Assim cremos porque as Escrituras deixam isso bem claro. O Sábado do Antigo Testamento tornou-se em Domingo no Novo Testamento, a Páscoa, em Ceia, e a circuncisão, em batismo. No Novo Testamento, os crentes são chamados de "filhos de Abraão" (Gl 3.7,29) e a Igreja de "o Israel de Deus" (Gl 6.16). Tal era o entendimento da Igreja Cristã que escrevendo aos Colossenses, Paulo equaciona o batismo a circuncisão, chamando-a de "a circuncisão de Cristo" (Cl 2.11-11).  

        2. A POSIÇÃO DAS CRIANÇAS NA ANTIGA E NOVA INSTITUIÇÃO

Tendo dito isso, precisamos agora ver como as crianças eram vistas na Antiga Instituição e Nova Instituição de Deus.

2.1 As Crianças na Antiga Instituição

Ao contemplar as Escrituras, o Rev. Augustus Nicodemus acertadamente diz que:

Deus sempre tratou com famílias (Dt 29.9-12), embora nunca em detrimento da responsabilidade individual. Assim, Deus mandou que Noé e sua família entrassem na arca (Gn. 7.1), chamou Abraão e sua família (Gn 12.1-3) e castigou Acã, Coré e suas famílias juntamente. Paulo, ao refletir sobre a história de Israel e ao mencionar a passagem dos israelitas pelo Mar Morto, diz que todo o povo foi batizado com Moisés, na nuvem e no mar inclusive as crianças, é claro, pois havia milhares delas (1 Co 10.1-4).[2]    

Portanto, a aliança de Deus feita com o povo de Israel incluía os seus filhos. Ao estabelecer a circuncisão como o selo da aliança, Deus ordenou que não somente os adultos, mas também as crianças fossem circuncidadas:  Estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência no decurso das suas gerações, aliança perpétua, para ser o teu Deus e da tua descendência. Dar-te-ei e à tua descendência a terra das tuas peregrinações, toda a terra de Canaã, em possessão perpétua, e serei o seu Deus. Disse mais Deus a Abraão: Guardarás a minha aliança, tu e a tua descendência no decurso das suas gerações. Esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e vós e a tua descendência: todo macho entre vós será circuncidado. Circuncidareis a carne do vosso prepúcio; será isso por sinal de aliança entre mim e vós. O que tem oito dias será circuncidado entre vós, todo macho nas vossas gerações, tanto o escravo nascido em casa como o comprado a qualquer estrangeiro, que não for da tua estirpe. Com efeito, será circuncidado o nascido em tua casa e o comprado por teu dinheiro; a minha aliança estará na vossa carne e será aliança perpétua. O incircunciso, que não for circuncidado na carne do prepúcio, essa vida será eliminada do seu povo; quebrou a minha aliança” (Gênesis 17.7-14).

Tão seria era a extensão da aliança na família que Moisés quase foi morto por não ter circuncidado seu filho, como sinal de pertencer a aliança:  Estando Moisés no caminho, numa estalagem, encontrou-o o Senhor e o quis matar. Então, Zípora tomou uma pedra aguda, cortou o prepúcio de seu filho, lançou-o aos pés de Moisés e lhe disse: Sem dúvida, tu és para mim esposo sanguinário. Assim, o Senhor o deixou. Ela disse: Esposo sanguinário, por causa da circuncisão” (Êxodo 4.24-26).

Por isso, não é sem razão que a Bíblia chama os filhos do povo de Israel de “herança do Senhor” (Sl 127.3). Portanto, fica mais que evidente que no Antigo Testamento os filhos dos israelitas eram contados na aliança de Deus com o povo.

2.2 As Crianças na Igreja Cristã

A Igreja Cristã, como vimos, não é uma instituição totalmente nova e independente da antiga. Como tal, ela mantém a posição das crianças estabelecida na antiga dispensação.

Quando olhamos para o Novo Testamento, não vemos a anulação, antes a confirmação de que os filhos dos crentes são membros da igreja. Três textos, pelo menos, servem de principais testemunhos a nossa tese:

1.    A declaração de Pedro aos Judeus: “Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar” (At 2.39, grifo meu). Pedro aqui se refere a promessa feita na antiga dispensação, isto é, a promessa de serem redimidos de seus pecados e desfrutarem de uma vida nova com o poder sobre o pecado mediante a obra de Cristo.[3] Mas Pedro não para por aí. Ele diz que essa promessa de pertencerem a Deus pela redenção do Messias também diz respeito aos filhos deles (suas crianças), mostrando assim serem os filhos contados na aliança de Deus.

2.    O ensino de Paulo a igreja de Coríntio:Porque o marido incrédulo é santificado no convívio da esposa, e a esposa incrédula é santificada no convívio do marido crente. Doutra sorte, os vossos filhos seriam impuros; porém, agora, são santos” (1 Coríntios 7.14, grifo meu). Charles Hodge, no seu livro O Batismo Cristão, faz uma interessante colocação neste verso: “Em que sentido são “santos” os filhos quando um dos pais é crente?”[4] À essa pergunta, o estudioso citado dá a seguinte resposta:

Não são santos inerentemente, pois nem quando ambos os pais são fieis se pode dizer que o sejam. Deve referir-se ao pacto ou à relação eclesial em que os filhos estão postos. E, sem que haja lugar a dúvida, a intenção de Paulo era resolver uma dificuldade prática que surgiu muito cedo na igreja. Parece que os cristãos não sabiam o que fazer quando só um dos conjugue era convertido. Essa dificuldade não poderia existir se as crianças, de qualquer modo, tivessem de ser excluídas, supondo-se até o caso de ambos os pais serem crentes. Diante dessa dúvida, o apóstolo diz que a fé de um dos pais basta para garantir a posição das crianças no pacto. Não havia por que excluí-las.[5]

3.    O ensino de Jesus aos seus discípulos: Jesus, porém, chamando-as para junto de si, ordenou: Deixai vir a mim os pequeninos e não os embaraceis, porque dos tais é o reino de Deus” (Lucas 18.16, grifo meu). Embora tal alusão seja de natureza menos definida, nosso Senhor parece ter sancionado o antigo uso, isto é, que os filhos dos crentes são contados no pacto e têm direito ao selo da aliança.

Refletindo sobre isso, no excelente livro O que todo presbiteriano inteligente deve saber, Rev. Adão Carlos Nascimento escreve:

As crianças, filhas de crentes, são herdeiras espirituais de seus pais. Pertencem ao Senhor; por isso, têm direito de receber o batismo e pertencer à igreja.
A situação das crianças na nova aliança é idêntica à situação delas na antiga aliança. Na antiga elas eram circuncidadas; na nova aliança são batizadas.[6]

 

A pratica de batismo de famílias ou casas inteiras, vistos na Igreja Primitiva, põe isso em evidência. Temos quatro relatos em que o batismo de criança, como selo de pertencer a aliança de Deus, é claramente mostrado: o da família de Cornélio (At 10.44-48), de Lídia (At 16.15), de Estéfanas (1 Co 1.16) e do carniceiro (At 16.32-33). Somado a isso, temos também quatro referências em que o batismo de criança é bastante provável: os das casas de Crispos (At 18.8), de Onesíforo (2 Tm 1.16), de Aristóbulo (Rm 16.10) e de Narciso (Rm 16.11). A pergunta que não quer se calar, diante desses textos, é a seguinte: será que nessas famílias não havia crianças? É menos improvável que não houvesse.

Comentando tais textos, Rev. Adão Matos faz uma excelente colocação:

No caso do carcereiro, está registrado que “ele, com todos os seus, manifestava grande alegria, por terem crido em Deus” (At 16.34). Logo, entre os filhos do carcereiro havia adultos que também creram e foram batizados. Mas no caso de Lídia o registro bíblico fala apenas da sua conversão. E ela e todos os seus foram batizados. Se seus filhos eram adultos, então foram batizados sem conversão. Paulo não faria isso. Logo, os filhos de Lídia eram crianças, que foram batizadas juntamente com sua mãe.[7]

CONCLUSÃO

Portanto, a posição da criança como membro integrante do Pacto não somente é confirmada pelo Novo Testamento, como praticada pela Igreja Primitiva. A Bíblia mostra que o povo de Deus é formado por adultos e crianças.  Os adultos recebem Jesus como Senhor e Salvador. Tornam-se filhos de Deus por isso. Os filhos dos crentes são herdeiros espirituais de seus pais. Como herdeiras espirituais têm o direito às mesmas bênçãos de seus pais. Por isso devem ser introduzidas no pacto pelo batismo, o selo da aliança. Deixar de fazer isso é o mesmo que excluí-las da herança do Senhor. Assim como Josué (Js 24.15), a Igreja Cristã cria que o nosso Deus é também o Deus dos nossos filhos. 


By: Kennedy Bunga

NOTAS:

[1] Assuntos como providenciar respostas a todas as objeções que tem se levantado ao tema em causa. Em caso de dúvida, tais respostas podem ser vistas pesquisando as obras citadas nesta secção.

[2] LOPES, Augustus Nicodemus. Batismo de crianças: algumas considerações. Disponível em: < http://www.seminariojmc.br/index.php/2018/01/04/batismo-de-criancas-algumas-consideracoes/> Acesso em: 17 set. 2020, (23:35).

[3] Promessa essa que bane a dicotomia que os dispensacionalistas fazem entre o NT e o AT, uma vez que tal promessa foi feita no AT na ocasião daquele povo.

[4] HODGE, Charles. O Batismo Cristão: imersão ou aspersão? Trad.: Sabatini Lalli. SP: Cultura Cristã, 2014, p.47.

[5] Ibid., p. 47-48.

[6] NASCIMENTO, Adão Carlos; MATOS, Alderi Souza de. O que todo presbiteriano inteligente deve saber. Santa Bárbara d’Oeste, SP: SOCEP Editora, 2007, p. 171.

[7] NASCIMENTO, Adão Carlos; MATOS, Alderi Souza de. O que todo presbiteriano inteligente deve saber, p. 176.


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